A Esposa

Ele era casado com Insegurança. Mesmo com o casamento às ruínas, insistia na continuação daquela vida familiar. Insegurança era bipolar, atacava as vezes, insulava-se em outras. A vida como aquele homem conhecia só podia ter dois lados, condicionados ao comportamento volátil de sua esposa.

Tiveram três filhos, Medo, Angústia e Desespero. O Medo era o mais velho e o mais calmo deles, embora - mais frequentemente que os outros dois -, arrepiava-se de uma sensação estranha e intensa, e seu suor era o sintoma inexorável do pico de adrenalina que corria em seu sangue. A Angústia, filha do meio e queridinha da mãe, era o desespero em sua faceta constante, porém de forma um pouco mais contida. Não gostava de brincar com os amiguinhos da escola, embora fosse grudada aos irmãos. Desespero gostava de esportes, inquieto e aflito que era, mas sempre errava o gol por afobar-se demais. Ainda não havia chegado a hora, mas Desespero provavelmente nunca conseguiria roubar um beijo de alguma paixão; emudeceria e correria para o quarto, com o coração a mil.

Era uma tarde pouco chuvosa. Ele havia tomado a decisão que postergava a anos: iria se separar da esposa. A folga no trabalho havia o feito pensar, acalmar-se, e o comunicado seria feito naquela noite.

Insegurança, insegura que era, sentiu um baque profundo. Ninguém a desejava mais. Nunca ninguém a havia desejado, realmente desfrutado de sua companhia. Todo o amor fora perdido num lapso de segundo - aquele em que o marido desferiu a palavra divórcio. Parecia que o sentimento de abandono e desprezo perduraria para sempre...

Ele casou-se com outra mulher, após vencer a pena e as recaídas. O contato com os filhos permaneceu, embora ele tenha aprendido que não devia dar ouvidos a tudo que os filhos de Insegurança dizem.

Insegurança partiu em busca de outro par, após anos de intenso lamento. Casou-se e ensaiou repetir todo o disparate que havia causado a Ele. Encenou-o. Ainda restava alguns anos até o novo esposo perceber o golpe que havia desferido contra si.